Polícia Federal cancela emissão do documento alegando falta de verba – e, com isso, desmancha sonhos e planos de viagens de milhares de pessoas em plenas férias
“Com a melhora no ambiente econômico, os brasileiros voltaram a ter interesse em viajar ao exterior.” Mal o Palácio do Planalto manifestara na internet, com essa frase, o seu otimismo, e a Polícia Federal anunciava o cancelamento da emissão de novos passaportes sob a alegação de que a verba para isso fora para o espaço. Entre um fato e outro, o que não decolara, até a quinta-feira 29, eram os planos e os sonhos de inúmeros brasileiros que pretendiam viajar nas férias de metade do ano. Ou seja: apesar das palavras do governo, ninguém que já não tivesse o documento válido poderia sair do País. É o caso, por exemplo, da família de Estela Kumasaka Silveira. Mais do que uma simples viagem, ela pretende mudar-se para o Japão. Sua família compreende oito pessoas que estão com trabalho, escola e moradia garantidos, mas sem o passaporte ninguém consegue finalizar o processo de visto. “Estou com medo, pois corremos o risco de perder nossas vagas”, diz ela. Estima-se que Estela seja uma entre as dez mil pessoas diariamente prejudicadas devido à interrupção do servição pela PF.
Serviço essencial “É um serviço essencial, que envolve o direito de ir e vir das pessoas”, afirma Luís Boudens, presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef). “Uma garantia válida para todo o mundo, não apenas em território nacional.” Por enquanto, as pessoas sem o passaporte estão presas no Brasil, mesmo aquelas que já desembolsaram os R$ 257,25 referentes ao pagamento de taxa. Há exceções, e seria um absurdo ainda maior se a PF não as tivesse aberto: brasileiros que necessitem viajar em situações de emergência, como problemas de saúde e trabalho, terão o passaporte concedido, mas as tarifas nesses casos são mais caras. Quem procurava a sede da PF em São Paulo, no entanto, era informado de que tais documentos emergenciais também não estavam sendo emitidos. E há relatos de filas de espera de até duas horas para aqueles que precisavam somente retirar o passaporte que já estava pronto.
O valor pago pelo passaporte não vai diretamente para a sua confecção, sendo destinado a um fundo que a polícia pode usar para diversos fins. O problema de falta de verba estourou agora porque, durante a definição do orçamento de 2017 (feita no ano passado), foi previsto menos dinheiro do que de fato se precisaria. A PF pediu R$ 248 milhões, mas recebeu permissão para gastar menos da metade desse montante. Em maio, depois de um apelo da instituição, o governo fez um pequeno suplemento de R$ 24 milhões. Ainda faltam, porém, pouco mais de R$ 100 milhões para que a demanda anual seja atendida. Em outras palavras: a polícia possui os recursos em caixa, mas não a autorização para gastá-los. Segundo a ONG Contas Abertas, o teto de verbas reservadas para os passaportes foi o menor em sete anos.
Na quarta-feira 28 o governo federal enviou ao Congresso um projeto de lei destinado a liberar R$ 102 milhões para restabelecer as emissões. A expectativa é que a medida seja aprovada nos próximos dias, mas o recesso parlamentar de julho é um fator que gera preocupação. Caso o projeto não ande até o dia 17 desse mês, ele será votado apenas em agosto. A PF afirma que encaminhou pelo menos dez ofícios ao governo pleiteando o aumento do limite, mas, de acordo com a própria entidade que representa a categoria, faltou empenho público.
“O governo falhou porque não atendeu à necessidade de orçamento. Mas a PF também errou.
Quando percebeu que ia faltar dinheiro, devia ter avisado a população, não precisava chegar ao cancelamento”, afirma Boudens. Nesse empurra-empurra de culpa, nada mais brasileiro do que a cidadania ser atropelada. Serve de exemplo o empresário Frederico Carvalho, que talvez tenha de postergar os seus projetos por culpa da desorganização das autoridades. Sua filha, Bianca, 11 anos, iria ganhar em setembro uma viagem à Disney para comemorar seu aniversário. A menina já diz resignada: “Fazer o quê? Nós não temos passaporte”.