Para especialistas, decisão pode resultar em insegurança jurídica
A absolvição na segunda instância do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto de uma pena de 15 anos e quatro meses de prisão, num dos processos em que foi condenado na Lava-Jato, abre brecha para a revisão de outras condenações baseadas em delações premiadas e o conjunto de provas necessário para uma sentença. A Lei 12.850/13, que instituiu a colaboração premiada, afirma que “nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador”.
Na avaliação da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), neste caso, não foram apresentadas provas suficientes para embasar as palavras dos delatores sobre a participação de Vaccari no repasse de propina como doação registrada ao PT e por meio de empresas de fachada do empresário Adir Assad. A Procuradoria-Regional da República da 4ª Região vai recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pedirá a revisão do entendimento ao STJ. A força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF) em Curitiba não comentou a decisão.
Especialistas ouvidos pelo GLOBO veem o risco de insegurança jurídica. Maurício Stegemann Dieter, professor de criminologia da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, disse que a absolvição é um episódio de insegurança jurídica em função da enorme distância entre a condenação em primeira instância — 15 anos e quatro meses de prisão — e a absolvição por ausência de provas.
— Como podemos ter um sistema jurídico com esse grau de oscilação? Não é uma questão de forma, mas de conteúdo, que mostra a fragilidade da hipótese construída para a condenação. Alguém não fez o dever de casa.
O professor afirma que a decisão do TRF-4 é um sinal amarelo na Lava-Jato para a banalização e vulgarização do conceito de provas.
— Foi uma decisão corajosa do TRF-4 e este é o momento de maior contestação para a Lava-Jato. Nem o Supremo Tribunal Federal deu um recado tão claro ao sistema probatório discutido na Lava-Jato — diz Dieter, lembrando que a Justiça brasileira já trabalha com um padrão de provas baixo, pois criminosos comuns são condenados, muitas vezes, apenas com base na palavra de policiais.
O advogado Thiago Bottino, da FGV Rio, afirma que, se eventualmente existirem outras condenações na Lava-Jato com base apenas na palavra de delatores, outras sentenças poderão ser revistas. Lembra que a acusação do delator, isolada, tem peso zero e o TRF-4 reafirmou que a lei tem de ser seguida.
Bottino alerta que o fato de vários colaboradores falarem a mesma coisa não dispensa a necessidade de comprovarem o que dizem.
— O MPF precisará ter olhar mais cético sobre as palavras dos delatores de agora em diante. É preciso convencer os outros, não apenas o juiz Sergio Moro, e isso poderá fazer com que sejam mais cautelosos.
O advogado Cezar Roberto Bitencourt, que defende o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures e é autor de artigos sobre o uso da colaboração premiada, diz que a questão é simples: a lei que exige provas para corroborar a palavra de delatores e precisa ser respeitada. Na avaliação dele, a 8ª turma do TRF-4 é dura e rígida.
VACARI: “ESTOU BEM”
Essa decisão não produz outros efeitos sobre a Lava-Jato, diz ele, pois “cada caso é um caso” e, sempre que houver provas, a palavra dos delatores será validada:
— Isso não vai acabar com a Lava-Jato. Estamos falando da seriedade de produção de provas, que deve ser robusta.
O ex-tesoureiro do PT está preso desde 15 de abril de 2015. Além desta ação na qual foi absolvido em segunda instância, foi condenado em outros quatro processos na Lava-Jato. Ele recebeu penas que variam entre seis e dez anos de prisão entre maio de 2017 e junho deste ano. Ontem, Vaccari mandou uma mensagem a um grupo que foi até sua prisão, em Curitiba, achando que ele seria solto.
— Estou bem (..) Vou sair daqui — disse o ex-tesoureiro do PT.