Sem citá-lo diretamente, ministro do STF disse que procurador-geral 'perdeu a noção do ridículo' ao comprometer-se a não denunciar delatores
O ministro Gilmar Mendes foi a primeira voz dissonante no julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que decide sobre validade dos termos do acordo de delação premiada da JBS, se o ministro Edson Fachin continua como relator do caso e se ele poderia ter homologado a delação monocraticamente. Nas sessões realizadas na semana passada, os ministros Fachin, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber e Dias Toffoli decidiram para que as cláusulas do acordo não sejam alteradas, o relator seja mantido na relatoria e pudesse ter validado o acordo sem submetê-lo aos colegas. Votam hoje, além de Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e a presidente do Supremo, Cármen Lúcia.
Gilmar concordou apenas com a continuidade de Edson Fachin à frente das delações e defendeu a tese de que a homologação dos acordos caiba não mais ao relator, mas às Turmas do STF, ambas compostas por cinco ministros, e que as cláusulas da colaboração possam ser revistas ao final dos processos. Neste ponto, refutou e ironizou o argumento de que revisões gerariam “insegurança jurídica”. Para ele, a possibilidade “frustraria os bandidos”.
O ministro argumentou que, se Joesley Batista, dono da JBS, não pode ser denunciado – como foi acertado pela Procuradoria no acordo de colaboração -, não há como o procurador-geral, Rodrigo Janot, provar se ele era ou não o líder da organização criminosa, posição que, pela lei, impede o fechamento de delação premiada. Gilmar comparou Joesley a líderes das facções criminosas PCC e Comando Vermelho. “Talvez um acordo de colaboração, para desenvolvermos a ideia ad absurdum, possa ser apto a rescindir as sentenças quase centenárias de Fernandinho Beira-Mar [líder do CV] ou de Marcola [chefe do PCC] com as premissas que estão sendo assentadas. Basta que o Ministério Público diga que eles não são líderes da organização”.
Nas mais de duas horas em que leu seu voto, Gilmar Mendes tratou não somente do assunto do julgamento, mas mirou, sobretudo, a Procuradoria-Geral da República, acusada por ele de empregar “métodos totalitários” e de implantar um “estado policialesco” a partir da Operação Lava Jato. “Os objetivos da Lava Jato não são imediatamente políticos, a disputa é por poder entre os poderes de Estado, inclusive subjugando o Judiciário”, disparou.
O ministro reclamou particularmente de inquéritos instaurados no STF a pedido da PGR que, para ele, não levarão a denúncias. Como exemplos, citou as investigações contra os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e José Sarney abertas, respectivamente, a partir das delações premiadas do empresário Emílio Odebrecht e do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, e o inquérito que investiga obstrução de Justiça por parte dos ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Marcelo Navarro e Francisco Falcão.
“Investigações sem futuro são abertas contra pessoas que não serão acusadas de nada (…) é muito fácil abrir inquérito, o difícil é fechar”, atacou Gilmar, para quem, ao se comprometer com os delatores da JBS a nem sequer denunciá-los à Justiça, Janot “perdeu a noção do ridículo”. Sentado à direita de Cármen Lúcia, o procurador-geral manuseava o celular e mal olhava para o ministro.
Além das críticas à PGR, Gilmar Mendes atacou as delações premiadas firmadas na Lava Jato e ao que chamou de “direito penal de Curitiba”, uma referência aos processos da operação em primeira instância, sob responsabilidade do juiz federal Sergio Moro. “Criou-se um tipo de direito penal de Curitiba, normas que não têm nada a ver com o que está na lei, e torna-se impossível o controle da legalidade”, disse o ministro. “Combater crime não se pode fazer cometendo crimes ou irregularidades”, afirmou.
Gilmar citou os acordos de delação premiada firmados pelo ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa, o doleiro Alberto Youssef, o empreiteiro Ricardo Pessoa e Sérgio Machado com a Lava Jato ao apontar que em nenhum deles “foram convencionados os benefícios previstos na lei para redução ou substituição da pena de restrição de liberdade”.
“Certamente, o juiz Moro já referendou várias dessas cláusulas [dos acordos de delação]. A falta de controle custará caro a todo o sistema jurídico. Cláusulas sobre a liberdade no curso do processo passaram a ser figurinha carimbada nos processos, novamente sem previsão legal”, declarou.
O ministro já havia criticado anteriormente o comportamento da força-tarefa em Curitiba. Em uma dessas críticas, atacou o que chamou de “alongadas prisões que se determinam em Curitiba”, em referência às prisões preventivas determinadas por Moro.