Trabalho paulista pioneiro com células-tronco busca voluntários para nova fase de análises
Cientistas do mundo todo estão trabalhando em diversas frentes para “aposentar” a insulina e as medições de glicemia com picadas, o que daria mais bem-estar a 18 milhões de pessoas só no Brasil que sofrem com diabete – que cresceu 62% só na última década. Um trabalho pioneiro do País, que entra em nova fase, já deixa pacientes sem a medicação há mais de dez anos.
Cerca de 90% dos casos são de diabete do tipo 2, que ocorre por resistência à ação da insulina e tem a obesidade entre as principais causas. Os casos restantes são de diabete tipo 1, uma doença autoimune que leva o sistema imunológico a atacar o pâncreas do paciente, destruindo as células beta, que produzem insulina. Agora novas pesquisas envolvem terapia com células-tronco, implante de células pancreáticas artificiais, bombas eletrônicas de insulina, aplicação por via oral ou nasal e monitoramento da glicemia por escaneamento.
Segundo Couri, o tratamento começa com a coleta de células-tronco da medula óssea do paciente. Em seguida, uma agressiva quimioterapia é usada para destruir o sistema imunológico. As células-tronco são então reintroduzidas no paciente, “reiniciando” o sistema imunológico, que para então de atacar o pâncreas, eliminando a necessidade de injeções de insulina. “Na primeira fase do estudo, entre 2003 e 2011, tratamos 25 pacientes e 21 pararam de usar insulina, um resultado inédito no mundo. A longo prazo, porém, apenas dois permanecem sem precisar das injeções”, explica.
Esta segunda-feira, 26, marca o Dia Nacional da Diabete. E uma das iniciativas de maior impacto no tratamento de diabete tipo 1 vem sendo desenvolvida por cientistas brasileiros desde 2003 na Unidade de Terapia Celular do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP). O método foi idealizado por Júlio Voltarelli e, após sua morte, em 2012, passou a ser defendido pelo endocrinologista Carlos Eduardo Couri. “Conseguimos algo que ninguém imaginava ser possível: suspender a insulina de pessoas com diabete tipo 1”, diz ele.
Esse resultado, no entanto, não significa que as pesquisas deram errado e vão agora entrar em nova fase. “A maior parte ficou dez anos sem insulina. E os que voltaram a usar precisam de apenas uma injeção diária, em vez das três ou quatro”, afirma o endocrinologista. “Estamos selecionando voluntários e iniciamos um novo protocolo, que usará uma quimioterapia ainda mais agressiva.”
Morador de Ribeirão Preto, Humberto Flauzino, de 27 anos, é um dos participantes do estudo que permanece livre das injeções de insulina. Ele foi diagnosticado aos 17. “Eu não sabia bem o que era diabete. Mas não conseguia me imaginar tomando insulina pelo restante da vida.” Desde 2007 está com a glicemia controlada, sem precisar de injeções de insulina.
O estudante de Medicina Renato Silveira, hoje com 29 anos, foi diagnosticado em dezembro de 2004. Depois de fazer o tratamento, passou 11 anos sem insulina. Voltou a tomar as injeções em 2016. Morador de São Paulo, conta que ficou sabendo sobre o tratamento com células-tronco depois de ler uma reportagem no Estado. “Foram 11 anos de controle muito bom, e isso provavelmente vai retardar algum problema futuro. Valeu a pena. Não me arrependi.”
Pelo mundo
Outra opção promissora é o desenvolvimento de um “pâncreas artificial”. Uma das técnicas desse tipo, batizada de VC-01, está sendo desenvolvida pelo laboratório ViaCyte, em San Diego, nos Estados Unidos, desde 2014, também usando células-tronco. Os cientistas criaram células artificiais semelhantes às ilhotas que produzem insulina no pâncreas e as inserem em um dispositivo implantado sob a pele do paciente. O encapsulamento do dispositivo subcutâneo protege as células artificiais dos ataques do sistema imunológico. Ainda nos EUA, o Diabetes Research Institute desenvolve técnica semelhante, chamada Bio-Hub, e acaba de informar que uma das participantes já está livre de insulina há um ano.
Outra linha de pesquisa é a chamada bomba de insulina. Lançada no mercado americano há duas semanas, ela deverá chegar ao Brasil em 2018. O produto foi desenvolvido pela empresa irlandesa Medtronic. Trata-se de um dispositivo eletrônico de bolso que contém um pequeno reservatório de insulina ligado ao abdome do paciente por um cateter, com programação manual. Ainda em fase de pesquisas, outro dispositivo vai um pouco mais longe: por dispensar qualquer programação manual, é o que os cientistas chamam de pâncreas biônico. Esse equipamento, batizado de iLet, tem um sensor que monitora os níveis de glicose no sangue e seus ensaios clínicos foram aprovados no ano passado.
Inalável ou oral
E há pesquisas que buscam mudar a via de aplicação de insulina, para evitar as injeções. A Sanofi, por exemplo, desenvolveu um equipamento para inalação, que foi liberado no mercado americano em 2016. Uma empresa brasileira fechou um acordo de exclusividade para venda no País e aguarda aval da Vigilância Sanitária. Já existem também empresas com testes adiantados para criar uma “pílula de insulina”: a Novo Nordisk, da Dinamarca, e a Oramed, de Israel.
Scanner
Para dispensar os diabéticos da desagradável picada no dedo a cada vez que é preciso monitorar a glicemia, um novo dispositivo permite que o paciente faça a medição com um scanner, que monitora um sensor implantado sob a pele. Desenvolvido pela Abbott, ele foi liberado nos Estados Unidos em setembro do ano passado e já está no mercado brasileiro. O kit custa cerca de R$ 600 e a cada 15 dias é preciso trocar o sensor, que custa R$ 240.
Outra opção, para o futuro, é a tinta hi-tech Dermal Abyss, em teste por pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e de Harvard. Com base nessa tecnologia, por meio de uma tatuagem, será possível aferir quando os níveis de glicose estão fora de controle.