Teste realizado pela Proteste encontrou substâncias controladas não prescritas em fórmulas de medicamentos manipulados para emagrecer
Em teste realizado pela Proteste, obtido com exclusividade pelo site de VEJA, medicamentos manipulados para emagrecer foram reprovados após análises revelarem a presença de substâncias “escondidas” que podem representar riscos à saúde dos pacientes.
No estudo, a associação analisou a composição de 29 fórmulas prescritas por 11 médicos e produzidas por nove farmácias de manipulação da cidade do Rio de Janeiro. Os resultados revelaram que oito formulações, fabricadas por cinco estabelecimentos, continham alguma dessas três substâncias: sibutramina, diazepam e femproporex. Entretanto, esses princípios ativos não constavam nos pedidos médicos, tampouco na bula das fórmulas.
“Todas as três substâncias são de uso controlado e, naturalmente, o consumidor deve ter conhecimento do que está tomando, principalmente por conta dos graves efeitos colaterais que os medicamentos podem ocasionar. Além disso, para comprá-los, é necessária a apresentação de receita especial.”, escreveu a Proteste na denúncia.
O estudo
No estudo, cinco pacientes se consultaram com 11 “médicos de emagrecimento” – como esses profissionais se intitulavam em ‘anúncios’ online – em diferentes regiões da cidade do Rio de Janeiro, dizendo que queriam emagrecer. Logo após as consultas, as receitas dos medicamentos prescritos foram encaminhadas para as farmácias de manipulação indicadas pelos médicos, ou seja, em tese, farmácias de confiança.
Segundo o Código de Ética Médica, é proibido ao médico interagir, depender ou indicar farmácias para compra de medicamentos recebendo vantagens sobre isso. Porém, em 90% dos casos, as secretárias dos médicos contataram diretamente as farmácias indicadas para solicitar o orçamento. Em um caso específico, a pessoa sequer teve acesso à receita prescrita, que ficou retida com a secretária que contatou diretamente a farmácia, não dando oportunidade ao paciente de procurar outro estabelecimento. Os estabelecimentos apenas contaram o paciente para informar o custo.
Após a entrega dos medicamentos, os frascos lacrados foram encaminhados para análise do conteúdo, realizada por dois laboratórios. Os resultados mostraram que das 29 fórmulas prescritas, oito apresentavam substâncias que podem causar sérios efeitos colaterais e que não estavam prescritas nas receitas, tampouco discriminadas na bula dos medicamentos.
Sibutramina, diazepam e femproporex
A sibutramina foi encontrada em produtos manipulados nas farmácias Formulife, localizada no bairro da Taquara; Essência Life, em Nova Iguaçu; e nas filiais DNA Pharma, na Tijuca e na Barra. Embora esteja aprovada no Brasil como coadjuvante no tratamento da obesidade, seu uso está associado a riscos à saúde, como aumento da pressão arterial e da frequência cardíaca, distúrbios do ritmo cardíaco, infarto, psicose e mania. Nos Estados Unidos e na Europa, por exemplo, seu uso é proibido.
Outra substância com graves efeitos colaterais “escondida” nas formulações foi o diazepam. Comumente utilizado no tratamento de ansiedade, seus possíveis efeitos colaterais são sonolência, tonteira, prejuízo à memória, fadiga e leve queda da pressão arterial. O medicamento foi encontrado em produtos manipulados na farmácia Formulife, no bairro da Taquara.
O endocrinologista Fábio Trujilho, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem) explica que em alguns tratamentos contra a obesidade o diazepam pode ser utilizado no intuito de reduzir a agitação do paciente, que muitas vezes, é um efeito colateral dos medicamentos que ajudam na perda de peso.
Por fim, duas fórmulas preparadas na farmácia Manipulando, na Penha, continham o inibidor de apetite femproporex. Entre os efeitos colaterais estão: dependência, tremores, irritabilidade, reflexos hiperativos, insônia, confusão, palpitação, arritmia cardíaca, dores no peito, hipertensão, boca seca, náusea, vômito, diarreia, alteração da libido, agressividade, psicose, transtorno de ansiedade generalizada e pânico.
Desde dezembro de 2011 o femproporex está proibido no Brasil e não pode ser produzido, comercializado, manipulado nem utilizado. A medida consta da Resolução RDC 52/2011 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Nos Estados Unidos, o medicamento nunca foi registrado na Europa está proibido desde 1999, devido aos possíveis riscos e ausência de eficácia comprovada.
Para Bárbara Guerra, técnica responsável pelo estudo e representante da Proteste, uma forma de o paciente se prevenir desse tipo de coisa é solicitar acesso à receita e contatar outras farmácias, não apenas a indicada pelo médico.
Em seu “parecer” a entidade ressaltou que não se trata de um estudo estatístico, “muito menos de uma generalização quanto à atuação das farmácias de manipulação ou dos médicos desse ramo”. Os resultados apenas, “conduziram a uma ‘fotografia’ de um determinado momento sobre o tema em análise”.
Medidas tomadas
Como medidas, a Proteste enviou um ofício pedindo à Associação Nacional de Farmacêuticos Magistrais (Anfarmag) e à Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem), uma adequada orientação aos médicos e aos estabelecimentos que manipulam medicamentos, destacando as penalidades a que estão sujeitos em caso de descumprimento das normas aplicáveis.
Um ofício denunciando as farmácias e solicitando mais fiscalizações também foi enviado para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e para a Vigilância Sanitária do Rio de Janeiro (Visa RJ). Por e-mail, a Anvisa informou ao site de VEJA que “a fiscalização e eventual penalidade por descumprimento de regulamento é de competência da vigilância sanitária local: do estado ou município”.
Para Trujilho, independente da especialidade do médico, não é uma conduta ética o profissional indicar uma farmácia específica. “Mas é ainda mais grave e condenável que a secretária entre em contato direto com o estabelecimento e que o paciente não tenha acesso à receita”.
Na opinião do especialista, a “contaminação” do medicamento com substâncias que não são do conhecimento do paciente é um crime, que cabe às agências de fiscalização sanitária investigarem. “Embora muitas dessas substâncias tenham, de fato, indicação em alguns tratamentos contra a obesidade, sua administração sem o conhecimento do paciente pode colocar sua vida em risco”, diz Trujilho.
Para evitar riscos, Trujilho recomenda:
Escolher um médico especializado e confirmar a especialização do profissional no CRM. “O RQE é o R de Qualificação de Especialista, todo médico especialista tem um. Portanto, é válido checar se o médico consultado tem de fato aquela especialidade. Para tratamento da obesidade, as mais indicadas são nutrólogo ou endocrinologista”
Não acreditar em milagres. Não existem soluções milagrosas na perda de peso.
Sempre ter a receita em mãos. Desconfie quando o médico não te dá essa possibilidade.
Optar por medicamentos não manipulados, quando houver essa opção.
Sobrepeso e obesidade
De acordo com o Ministério da Saúde, mais da metade da população está acima do peso e a obesidade atinge 34 milhões de pessoas no Brasil, sendo fator contribuinte de doenças e incapacidade. Números tão expressivos associados à busca de um “corpo perfeito” sem esforço ou mudanças na alimentação e estilo de vida servem como terreno fértil para a proliferação de remédios que prometem o emagrecimento rápido.
O que as farmácias dizem
Por e-mail, a Anfarmag disse:
• Apesar de ter sido informado pela reportagem o envio de ofício para a Anfarmag, ainda não recebemos o documento. Estamos em contato com a Proteste para levantar mais informações. • Diante da denúncia exposta pela reportagem, entendermos ser fundamental reforçar nossa preocupação com o tema. Práticas como as alegadas na reportagem representam um efetivo prejuízo para a sociedade. • É fundamental que os 11 médicos e as cinco empresas citadas nesses episódios sejam investigados pelas autoridades competentes e, se comprovada irregularidade, sejam punidos de acordo com a legislação vigente. • Diante desses fatos, reforçamos a orientação de que o paciente não deve, sob nenhuma hipótese, aceitar que, ao prescrever uma substância, em vez de lhe entregar a receita, o médico a encaminhe diretamente para uma farmácia. Caso o paciente peça indicação de farmácia, o médico pode apenas fazer recomendações. Porém, em todas as situações, sem exceção, a decisão final sobre em qual farmácia o produto será preparado é, sempre, do consumidor. • Fazemos, porém, uma ressalva a um dos itens citados na reportagem: “Optar por medicamentos não manipulados, quando houver essa opção”. A atividade de manipulação de medicamentos no Brasil é regida por uma legislação extremamente rígida e completa, considerada como referência internacional, que garante a segurança e a eficácia do produto final. A população pode optar por medicamentos manipulados com total confiança e tranquilidade. • Ao escolher a farmácia de manipulação, o consumidor deve verificar se o estabelecimento exibe em local visível documentos como Autorização de Funcionamento e Licença de Funcionamento. Além disso, deve sempre solicitar a presença de um farmacêutico responsável técnico. • Por fim, aproveitamos a oportunidade para fazer uma consideração em relação ao título da matéria, que dá a entender, ao leitor que não se ativer ao texto como um todo, que há um problema generalizado com a qualidade dos produtos manipulados. Na realidade, o que o teste parece ter demonstrado, caso de fato isso se confirme, foi a suposta prática de irregularidades por um grupo específico de pessoas e empresas. A Anfarmag reafirma seu compromisso com as regras e leis vigentes em nosso país e sua constante preocupação com o bem-estar e a saúde da população brasileira.
Por telefone, uma representante da Formulife, no bairro da Taquara disse estar surpresa com a notícia, pois não havia sido informada da análise nem da denúncia e ressaltou que o estabelecimento não trabalhava dessa forma.
Também por telefone, a farmacêutica responsável pela Manipulando, na Penha, também mostrou-se surpresa com a denúncia, disse que não trabalhava “assim” e questionou quem eram os médicos envolvidos.
Segundo Bárbara, não é prática da instituição contatar os estabelecimentos envolvidos.
Até a manhã desta quarta-feira, a reportagem não obteve retorno das filiais DNA Pharma, na Tijuca e na Barra; e da Essência Life, em Nova Iguaçu.