Muito antes de ser acusado por pescadores de pagar para que matassem um boto rosa na frente das câmeras, o biólogo Richard Rasmussen já estava na mira do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). O apresentador de TV foi autuado pelo órgão pelo menos oito vezes nos últimos 15 anos. Reincidente nas acusações, ele é visto pelo Ibama como um “criminoso ambiental”.
O Notícias da TV teve acesso às autuações e notificações feitas pelo Ibama a Rasmussen: ele é acusado, por exemplo, de manter animais silvestres em cativeiro e de introduzir, sem autorização, espécies estrangeiras no Brasil. Somadas, as multas chegam a R$ 263,1 mil.
“Nós temos uma ficha extensa dele, em razão de diversas irregularidades, uma série de situações em que ele infringiu o regulamento ambiental brasileiro”, diz Roberto Cabral, coordenador de operações de fiscalização do Ibama.
Reprodução de uma das oito autuações feitas contra Richard Rasmussen pelo Ibama
Por casos como o de Rasmussen, o Ibama está pedindo no Congresso Nacional uma mudança na legislação. “Atualmente, a pena máxima para crimes ambientais com animais silvestres é de seis meses a um ano”, explica Cabral. “Esses casos são levados ao Juizado Especial Criminal, no qual a sanção é revertida para o pagamento de cestas básicas ou multa. Assim, o criminoso não é demovido de continuar cometendo seus crimes”.
O Ibama defende penas mais severas e diferenciadas. “Hoje, a lei não diferencia a pessoa que mantém dois papagaios na gaiola de um traficante que transporta 200 pássaros ilegalmente. Para a primeira, uma multa é a punição adequada, ela não é nociva à sociedade. Para traficantes ou em casos como o do Richard, a sanção precisa ser maior. Enquanto não mudarmos a legislação, muito pouco podemos fazer”, aponta Cabral.
Procurado pela reportagem, Rasmussen nega as acusações: “Nunca fui autuado, pessoalmente ou durante meus trabalhos em 14 anos de televisão, por essas infrações. Em nenhum momento sofri qualquer autuação por cativeiro ilegal, manipulação não autorizada de animais silvestres e introdução não autorizada de animais no país”, diz.
O biólogo admite, no entanto, que o criadouro conservacionista Toca da Tartaruga, que ele gerenciou em Carapicuíba (Grande São Paulo), foi multado pelo órgão. “Ocorreram autuações enquanto gerenciava um criadouro conservacionista, autorizado pelo Ibama, por divergências entre relatórios contendo a lista de animais que existiam no criadouro e a contagem física feita pelo Ibama. Criadouro que, inclusive, encerrou suas atividades há 14 anos”, revela.
As autuações referentes à Toca da Tartaruga são maioria nos oito documentos. O criadouro é acusado de introduzir, sem parecer técnico ambiental, uma jiboia arco-íris da caatinga e também de coletar peixes ornamentais sem autorização, como uma garoupa, dois poraquês, um aruanã, 500 lips e uma rêmora, além de dez lagostins, cinco estrelas do mar, cinco ouriços do mar e um ofiúro.
O apresentador com uma raposa-orelha-de-morcego, uma espécie do continente africano
Viagens ao exterior Cabral também aponta que, para evitar problemas com o Ibama e outros órgãos ambientais, Rasmussen passou a rodar seus programas em outros países. No começo do mês, por exemplo, estava na Etiópia gravando o programa Mundo Selvagem, que comanda no canal pago NatGeo.
“Dessa forma, ele consegue evitar a legislação brasileira, foge da nossa jurisdição e não pode ser responsabilizado judicialmente pelo que faz”, diz o coordenador do Ibama.
Rasmussen, mais uma vez, nega a acusação do órgão ambiental e diz que continua gravando normalmente no Brasil. “Inclusive, em parceria com o ICMBIO [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, órgão ambiental do governo brasileiro], em diversos programas de televisão para os quais trabalho”, ressalta.
“O fato de fazer gravações no exterior nada tem a ver com fugir da legislação brasileira”, continua Rasmussen. “O que me leva para outros destinos é apenas a oportunidade de gravar em lugares que não conheço e, portanto, trazer material inédito. Como apresentador de programas de natureza, vou em busca das diversas espécies do mundo. Apenas com o intuito de mostrar a diversidade de fauna e flora do planeta.”
Manipulação incorreta Além da acusação de cativeiro ilegal, Rasmussen preocupa o Ibama pela forma como interage com os animais em seus programas de TV. “A manipulação dele dos animais não é considerada adequada, chega a fazer de uma forma sensacionalista. Acaba sendo uma deseducação ambiental, já que ele é visto por tantas pessoas que pensam que é certo agir como ele age”, aponta Cabral.
O coordenador de operações de fiscalização conta que, após ver as aparições de Richard Rasmussen na televisão, o Ibama decidiu fazer uma sanção ao biólogo: “Mas descobrimos que, em muitos casos, ele recebeu autorização de agentes regionais para manipular os animais. Essas pessoas certamente são convencidas a deixá-lo agir com a ideia de que ele é um amante da natureza, como demonstra em suas aparições na TV e em seus programas”.
Rasmussen afirma que sua maior preocupação durante as gravações é o bem-estar dos animais: “Em todos os programas que faço, é evidente o cuidado e a preocupação que toda a equipe tem com os animais. As espécies são ferramentas fundamentais de alerta e conscientização ambiental; afinal, as pessoas só respeitam o que elas conhecem”, diz.
‘Sensacionalismo me incomoda’ No início deste mês, o Notícias da TV publicou reportagem sobre o documentário A River Below, do norte-americano Mark Grieco, que mostra pescadores do Amazonas acusando Rasmussen de ter pago a eles para que matassem um boto em frente às câmeras. As imagens foram exibidas no Fantástico e influenciaram o governo brasileiro a fazer uma moratória ambiental.
Agora, com a revelação das autuações feitas pelo Ibama e as críticas do órgão ambiental ao trabalho do apresentador, a credibilidade de Rasmussen é novamente colocada em xeque.
À reportagem, Rasmussen diz que não se sente perseguido por colegas ou jornalistas por ser um biólogo com programa na televisão. “Não tenho essa impressão de perseguição. Mas, confesso que a imprensa sensacionalista me incomoda. Especialmente quando os veículos se apoiam em fatos e informações não apuradas corretamente”, critica.
O apresentador continua: “Entendo também que o meu trabalho possa não agradar a todos os profissionais de biologia por diferenças de opinião. Mas, é importante salientar que o meu único e exclusivo propósito é levar conhecimento ao público em geral e, obviamente, mostrar as belezas naturais tanto no Brasil quanto no exterior”.