A secretária especial de Direitos Humanos é candidata a uma vaga em comissão interamericana da Organização dos Estados Americanos
Em um momento de fortes restrições orçamentárias, a campanha da secretária especial de Direitos Humanos, Flávia Piovesan, não vai sair barata para o governo. A candidatura foi lançada pouco antes de o governo brasileiro quitar uma dívida de cerca de US$ 8 milhões (R$ 25 milhões) que tinha com a Organização dos Estados Americanos (OEA).
A dívida, estimada pelo jornal Folha de S.Paulo, começou no governo da presidente cassada Dilma Rousseff, que, em 2011, retirou seu representante na organização e suspendeu as contribuições. O ato ocorreu depois que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos aprovou medida cautelar contra a construção da Hidrelétrica de Belo Monte, uma obra atacada por entidades de direitos humanos no Brasil. Flávia se empenhou diretamente junto ao Ministério do Planejamento para garantir os recursos.
Ela contou com os esforços do embaixador brasileiro na OEA, José Luiz Machado e Costa, para tentar neutralizar as reações contrárias à sua candidatura. Machado e Costa também renegociou a dívida do Brasil na entidade para permitir a escolha de Flávia.
Repudiada pela rede das mais importantes entidades de direitos humanos do País, a candidatura de Flávia a uma vaga na Comissão Interamericana de Direitos Humanos foi oficializada pelo ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira, em 30 de março.
A indicação não é automática. Ela concorrerá a uma das três vagas abertas com representantes da Argentina, do Chile, dos Estados Unidos, do México e do Uruguai para o mandato de 2018 a 2021. A corte tem sete membros.
A eleição ocorrerá na Assembleia-Geral da OEA, na Cidade do México, entre 19 e 21 de junho. Uma das vagas abertas é ocupada atualmente por Paulo Vanucchi, indicado pelo governo Dilma Rousseff, que deixará a corte em 2018.
Silêncio Há duas semanas, a reportagem voltou a procurar a secretária especial de Direitos Humanos, na ocasião para esclarecer o baixo número de viagens de “missões” para áreas de conflito e as escalas para São Paulo, onde tem residência. Ela evitou novas respostas.
Também não respondeu se a falta de diálogo com índios, com moradores de favelas e com camponeses não impede seu projeto de ocupar vaga na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Em mais uma viagem de campanha a Washington, no começo deste mês, deslocamento que não está incluído no levantamento obtido por meio da Lei de Acesso à Informação, ela foi questionada pela imprensa sobre problemas enfrentados por trabalhadores rurais, mas não quis comentar.
Campanha Enquanto violações se agravam no Brasil e nos países vizinhos, Flávia se manteve focada na campanha. Ao Valor, ela disse que se reuniu com diplomatas venezuelanos para pedir votos e saiu “quase aos prantos de emoção pela tônica do diálogo”. No encontro não se discutiu a série de mortes ocorrida em protestos contra o governo Maduro.
Exterior Em campanha por uma vaga na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA), Flávia Piovesan teve extensa agenda de viagens por Estados Unidos, Europa e capitais brasileiras entre junho de 2016 e março deste ano. Levantamento mostra que, das 38 cidades visitadas — dez no exterior —, apenas duas tiveram por motivo acompanhar casos de violação de direitos humanos.
O roteiro de viagens de Flávia, fornecido por meio da Lei de Acesso à Informação, incluiu seminários e eventos fechados em Frankfurt, Lisboa, Genebra, Washington, Santiago, Rio e São Paulo, com participantes que influenciam a votação dos novos membros da OEA — entre eles, o Seminário Internacional de Teoria das Instituições: Desenhos Institucionais e Racionalidade Decisória, no Rio de Janeiro, e Estruturas do Estado, em Heidelberg, na Alemanha. Flávia, por e-mail, informou que dialoga com autoridades regionais para tratar de violações.
Do total de deslocamentos, 17 foram para palestras, reuniões com autoridades e participações em fóruns sobre direito ou direitos humanos no contexto internacional; 16 para participação em seminários genéricos sobre direitos humanos ou problemas específicos, como diversidade religiosa, tráfico de pessoas, homofobia e preconceito racial. Outras três viagens não foram detalhadas. A lista não incluiu cidades de escala de voo.
Muitas das viagens da secretária para capitais do Sul ou do Nordeste tiveram escala em São Paulo, onde tem residência.
As duas únicas “missões” de Flávia — como os dados fornecidos classificam as viagens para acompanhar problemas nacionais — foram para discutir o sistema carcerário em Manaus, em 25 de janeiro, e em Boa Vista, em 8 de fevereiro, mais de 20 dias após os assassinatos de presos ocorridos no início deste ano.
Em outubro, Flávia tinha sido criticada por não ir a Roraima avaliar as consequências de um massacre anterior de detentos.
A secretária também não foi a Rondônia e Mato Grosso, onde, em dia 19 de abril, nove camponeses foram mortos na região de Colniza. A chacina elevou para 136 o número de assassinados no campo no estado desde 1985.