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ALFINETADA: Denúncia de contratação dirigida atinge Marco Fireman no Ministério da Saúde

Ele é acusado pela Lava Jato de ser operador de propina da Odebrecht quando foi secretário de Infraestrutura do governo de Alagoas



A Praia de Pajuçara era o cenário de fundo de uma reunião no hotel Radisson, na orla de Maceió, em março de 2014. Com a presença do então diretor regional da Odebrecht João Antônio Pacífico, a discussão áspera versava sobre percentuais de propina da obra do Canal do Sertão. O então governador de Alagoas, Teotônio Vilela Filho (PSDB), esteve no local, mas saiu rápido após ser chamado por um assessor. Sem ele no ambiente, o então secretário de Infraestrutura do governo alagoano, Marco Antônio Fireman, entrou no assunto: “Olha, não tem condição de vocês continuarem tocando essa obra sem honrarem o compromisso que foi assumido”, disse.


A lembrança é de João Pacífico, então diretor da Odebrecht, um dos 77 executivos que participaram da delação premiada da empreiteira. Pacífico resistia a pagar, mas cedeu diante da ameaça de Fireman de rescindir o contrato e entregar a obra a outra empresa, a OAS. Nas planilhas da Odebrecht, há registros de pagamentos de R$ 2,7 milhões a integrantes do governo de Alagoas por essa obra. O caso se tornou alvo de inquérito no Supremo Tribunal Federal, por envolver pagamento de propina aos senadores Fernando Bezerra (PSB-PE), Renan Calheiros (PMDB-AL) e ao atual governador de Alagoas, Renan Filho (PMDB).





Personagem central como operador de propina nessa trama, Marco Fireman continuou crescendo na política. Filiado ao PP de Alagoas e aliado do senador Benedito de Lira (PP-AL), denunciado na Lava Jato, Fireman foi alçado em julho do ano passado a um cargo no Ministério da Saúde. Na Pasta comandada pelo também pepista Ricardo Barros, assumiu a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Por ela, passam aquisições milionárias de medicamentos junto à indústria farmacêutica. Nessa área, a gestão de Fireman – cujo sobrenome, em inglês, significa bombeiro – virou alvo de suspeitas. Uma licitação com custo estimado em mais de R$ 200 milhões, para a aquisição de mais de 15 milhões de unidades do medicamento alfaepoetina, usado em doenças renais, foi suspensa por determinação do Tribunal de Contas da União por apresentar “indícios de restrição à competitividade”. Pelas condições do edital, as empresas concorrentes apontaram favorecimento a um único laboratório: Blau Farmacêutica.



Após a suspensão do pregão eletrônico, a gestão de Fireman tentou contornar determinações do ministro do TCU Augusto Nardes sem precisar refazer o edital da licitação. O ministério lançou uma contratação emergencial, mediante dispensa de licitação, para adquirir 4 milhões de frascos-ampola de alfaepoetina, mas manteve as mesmas condições consideradas irregulares pelo TCU. No fim de março, a coordenadoria de contratações de insumos estratégicos do ministério enviou e-mails para os laboratórios farmacêuticos solicitando, em prazo de cinco dias, propostas para a contratação emergencial, com vigência de 120 dias. O resultado saiu na quinta-feira, dia 27. E sem surpresas: a contratada foi a Blau Farmacêutica.


Duas questões são consideradas centrais nas suspeitas de irregularidades. A primeira é que, segundo informações do setor farmacêutico, da Anvisa e da área técnica do TCU, o medicamento alfaepoetina possui um similar: a eritropoetina na forma alfa, produzida por uma quantidade maior de laboratórios. Por isso, a área técnica do TCU recomendou que a licitação incluísse a aquisição de ambos, o que aumentaria a quantidade de laboratórios participantes. O outro problema é que a licitação não dividiu em lotes menores a aquisição do medicamento. Isso excluiu as empresas sem capacidade de produzir em tempo hábil uma quantidade tão grande de remédios. O prazo de entrega da quantidade total de alfaepoetina exigida na licitação inicial era de 60 dias. Foi reduzido para 30 dias na contratação emergencial.


Na representação ao TCU, o laboratório Chron Epigen afirmou que a ausência de divisão da compra em lotes menores indica a existência de algum acerto “espúrio”. Disse que “quase a unanimidade do mercado assevera ser de impossível cumprimento” o prazo de 30 dias para a entrega dos medicamentos. “A exceção é, não por acaso, o laboratório Blau Farmacêutica”, afirmou a Chron. Segundo a Chron, esse entrave sugere duas possibilidades: o fornecedor já produzira os medicamentos mesmo antes de ganhar o contrato ou o fornecedor terá uma flexibilização das condições exigidas logo após a celebração do contrato.


As condições mais favoráveis à Blau foram constatadas pelos laboratórios na audiência pública para discussão do edital. A audiência foi realizada no apagar das luzes do ano passado, em 28 de dezembro. Segundo os relatos feitos ao TCU, dos quatro laboratórios que participaram, só dois produziam a alfaepoetina: Blau Farmacêutica e Janssen-Cilag Farmacêutica. Os representantes desse segundo laboratório, porém, afirmaram que não teriam condições de entregar a quantidade exigida no prazo estipulado.


Principal executivo da Blau, Marcelo Hahn diz que há muitas variações da alfaepoetina e que o medicamento produzido pela Blau atendeu às especificações técnicas determinadas pelo Ministério da Saúde. Segundo ele, fazia 13 anos que não havia licitação para a compra do medicamento devido a um acordo do governo brasileiro com o de Cuba. Ele diz que sua farmacêutica exporta para vários países da Ásia e América Latina. “Temos capacidade técnica e de logística, além de preço competitivo, para entregar os medicamentos solicitados”, afirmou.


Fireman disse que uma disputa empresarial está por trás das acusações. “Os questionamentos fazem parte de uma guerra de lobbies de laboratórios”, afirma. “Lobbies empresariais não vão prevalecer sobre o interesse público e as autoridades de controle estarão acompanhando de perto os detalhes de todas as questões, como é obrigação.” Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que a compra emergencial de alfaepoetina realizada acarretará uma economia anual de R$ 93 milhões, quando comparados os valores da aquisição atual com os de 2016. Dos dois lotes, os menores preços foram oferecidos pelo laboratório Blau, que fabrica o produto no Brasil, para um e pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) para outro. A Pasta diz que para evitar o desabastecimento da rede SUS com um possível agravamento das condições clínicas dos pacientes renais crônicos, realizou uma aquisição emergencial para atendimento da rede por um período de 120 dias. De acordo com o ministério, as recomendações do TCU serão seguidas quando o governo retomar a contratação regular dos medicamentos. A Constituição brasileira defende a livre concorrência em igualdade de condições. Nessa competição, porém, após o W.O. dos concorrentes, só sobrou um jogador.




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