Deficiência atinge 360 milhões de pessoas no mundo e 50% das causas são desconhecidas
Você tem dificuldade de entender o que as pessoas ao seu redor falam? Alguém na sua casa já reclamou que o som da TV está alto demais? E o volume das músicas que você ouve incomoda outras pessoas? Caso tenha respondido sim para algumas destas questões, você pode ser portador de algum grau de deficiência auditiva. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), 360 milhões de pessoas sofrem de perda auditiva no mundo e 1,1 bilhão de pessoas podem apresentar perdas auditivas devido a exposição ao ruído, como a música em volume intenso. Quando trazemos esses números em proporções, é ainda mais impressionante: 5% da população mundial tem algum tipo de perda auditiva, sendo que 1 em cada 3 pessoas a partir dos 65 anos já apresenta essa alteração.
No entanto, na maioria dos casos, o paciente não percebe, pois, ao contrário do que muitos pensam, a perda auditiva não faz simplesmente com que as pessoas ouçam mais baixo. De acordo com a presidente da ABA (Academia Brasileira de Audiologia), Katia Alvarenga, grande parte dos sintomas parecem não estar relacionados ao sentido da audição como cansaço, dificuldades de manter a atenção, irritabilidade, aumento do nível de estresse, isolamento social e até depressão.
— Geralmente, a dificuldade começa na percepção de determinados sons para fala, como os sons agudos. É comum as pessoas dizerem “eu escuto, mas não entendo”, isso ocorre porque elas escutam melhor as vogais que são graves e menos as consoantes que são agudas. Assim, nesse cenário, a pessoa com deficiência auditiva ouve a informação em parte, percebendo mais as vogais e menos as consoantes, o que causa essa confusão no sentido da frase.
Segundo Katia, quando se fala em perda auditiva, é comum o uso de termos que vão desde deficiência auditiva, hipoacusia e surdez. No geral, o termo surdez se refere à perda auditiva com pouca audição residual e hipoacusia se refere a alterações que variam do grau leve ao severo. O famoso zumbido no ouvido tem incidência maior do que as perdas auditivas e pode ser o primeiro sinal de que a audição não está bem.
Ouvir e escutar
Katia explica que há quatro graus de perda auditiva: leve, moderada, severa ou profunda. Na leve, há incapacidade de ouvir sons menos intensos e dificuldade para ouvir em ambiente ruidoso. Na moderada, há incapacidade de ouvir sons menos intensos e dificuldade considerável para entender a fala, especialmente na presença de ruído de fundo. Já na severa, não é possível ouvir a maioria dos sons. As conversas em grupo são possíveis, mas somente com considerável esforço. E por fim, na profunda, alguns sons muito intensos são audíveis, mas a comunicação sem aparelhos auditivos ou linguagem de sinais é muito difícil.
A presidente da Gatanu (Grupo de Apoio à Triagem Auditiva Neonatal), a fonoaudióloga Elaine Soares, explica que existem dois tipos de perda auditiva: a perda auditiva condutiva e a perda auditiva neurossensorial.
— Na condutiva, reduz-se a sensibilidade auditiva. Os sons não são percebidos com intensidade [volume] suficiente e, portanto, o paciente não ouve bem. Dependendo da causa, esta perda auditiva pode ser temporária ou permanente. Já a neurossensorial, não afeta somente a sensação de intensidade sonora, mas também a habilidade de percepção, a clareza da informação. Este tipo de perda geralmente não é tratado com medicamentos ou cirurgias. A solução mais eficaz é o uso de aparelhos auditivos ou implantes cocleares. Nesses casos, a amplificação do som não consegue corrigir a dificuldade na percepção da informação da fala.
Entre 40% e 50% das causas de perda auditiva são idiopáticas — ou seja, as causas são desconhecidas. E, em muitos casos, não há histórico na família. Entretanto, existem condições que podem ocorrer antes, durante ou após o nascimento ou ainda nos primeiros dias de vida da criança que podem afetar o desenvolvimento da audição, segundo Elaine.
Adaptação ao tratamento
Os pacientes que necessitam de aparelhos auditivos precisam se adaptar ao dispositivo Thinkstock
Katia explica que, independente da causa da perda auditiva, o tratamento é o mesmo.
— Algumas perdas podem ser tratadas com medicamentos, principalmente, se forem causadas por infecções, sem a necessidade de uso de aparelhos. Após o diagnóstico e a prescrição do tratamento, inicia-se o processo de adaptação dos dispositivos. O tratamento deve ser orientado por uma equipe de profissionais, como médico otorrinolaringologista, fonoaudiólogo e psicólogo ou terapeuta ocupacional.
O primeiro passo para uma melhor audição começa na escolha e adaptação dos aparelhos auditivos.
A indicação do uso de um ou dois aparelhos depende do grau da perda auditiva em cada orelha. Em geral, a colocação de aparelhos nas duas orelhas ajuda o paciente a ouvir e perceber melhor o som, principalmente se for jovem. No caso de pessoas que perderam a audição já na idade adulta, pode não ser o mais indicado.
A diretora da Sonova e fonoaudióloga, Michelle Alvarenga, conta que os aparelhos auditivos podem ser retroauriculares (posicionados atrás da orelha), intra-auriculares (colocados dentro da orelha — crianças não podem usar). Hoje em dia, há vários tipos de aparelhos no mercado.
— Antigamente, apenas aparelhos bege. Hoje pode ter um que combina com a cor do cabelo ou da pele. Ou simplesmente coloridos, como as crianças. Os pais não gostam muito de aparelhos coloridos porque não querem que apareça muito. Os pacientes preferem os aparelhos pequenos porque há muito preconceito. Eles querem esconder porque têm vergonha, já que o estigma da surdez é muito ligado à velhice.
Ainda de acordo com Michelle, os lançamentos mais modernos, inclusive, têm opções wireless (sem fio). Neste tipo de aparelho, os pacientes podem se comunicar facilmente e se conectar com diversos tipos de tecnologias, como a “caneta-microfone” que pode ser colocada próximo ao professor na sala de aula ou no próprio celular do paciente. Destas formas, o som vai diretamente para o aparelho do aluno.
O implante coclear é indicado quando o paciente não obtém o efeito desejado com o aparelho auditivo, dizem especialistas Thinkstock
Os aparelhos auditivos podem ser adquiridos na rede pública de saúde, mas a fila de espera para adultos pode demorar até dois anos. Em crianças, o prazo máximo é de seis meses. Na rede privada, os preços variam de R$ 4.500,00 a R$14 mil, de acordo com a tecnologia, acessórios e serviços oferecidos para atender as necessidades de cada paciente, explica Michelle.
Outro tratamento é o implante coclear é indicado nos casos em que a perda auditiva é severa e o paciente têm pouco aproveitamento com aparelhos auditivos. O implante é composto por dois dispositivos, sendo que um é inserido na orelha por meio de cirurgia e o outro, que fica na parte de fora do corpo, transforma o som em uma nova informação que pode ser processada pelo nervo auditivo. Segundo Katia, a implantação do implante pode ser realizada em bebês e crianças diagnosticadas com perda auditiva profunda.
— O implante é mais indicado quando a criança é pequena e, posteriormente, fazer outro implante quando ela tem uns seis, sete anos. Em adultos que perderam a audição no decorrer da vida, é como se o implante reativasse a parte do cérebro responsável pela audição.
Já nos adultos surdos desde criança, o implante nas duas orelhas não é indicado porque não resgata a bilaridade (capacidade de ouvir com os dois ouvidos), como explica Elaine.
— Se uma pessoa coloca um implante com um ano e hoje tem 20, 30 anos, a colocação do 2º implante é questionável. Até pode colocar, mas para um ouvido backup, caso um quebre, ele pode usar o outro. Mas não se aproveita a bilaridade como de uma criança porque o cérebro se habitou. Se você ouvia bem e perdeu audição toda a parte do cérebro responsável pelo estímulo se reorganiza. Pode ser que a perda auditiva não tenha progredido, mas a capacidade de ouvir, sim. Nenhum dispositivo é perfeito como o ouvido humano.