A máxima é “dando que se recebe” ganhou uma nova dimensão com a divulgação de parte do conteúdo das delações da Odebrecht. Entre os 76 inquéritos abertos no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo relator da Operação Lava Jato, ministro Edson Fachin, 31 tratam de cobranças de propina para a conquista de contratos ou para a execução de obras públicas: 40,8% do total. Pelos depoimentos dos executivos, os pedidos de propinas somariam pelo menos R$ 194,8 milhões. Se as investigações concluírem que os pagamentos realmente foram feitos, o valor pode ser ainda maior. Em alguns casos, parte das cobranças que teriam sido feitas por políticos não env olvia valores fechados, mas participações porcentuais entre 0,5% e 5% do valor total dos contratos conseguidos pela empreiteira. Os repasses não eram chamados de propina, disseram os executivos – eram solicitados a título de “contrapartidas”, “ajustes de mercado” ou “apoio”. Nas justificativas para os inquéritos, foram apresentados relatos de que as propinas não eram cobradas apenas para garantir que a empresa venceria uma licitação de obra ou concessões, como se costuma imaginar. Há casos em que os pedidos teriam sido feitos para assegurar que uma nova lei não iria inviabilizar o andamento do projeto em curso ou para desvencilhar a empresa de trâmites burocráticos comuns no sistema estatal brasileiro. A lista de políticos e de valores é tão diversificada que uma conclusão é inevitável: a cobrança de propina tornou-se indiscriminada entre políticos de todas as vertentes e calibres pelo Brasil afora. São citados nos inquéritos desde prefeitos, deputados estaduais e federais a senadores, ministros e ex-ministros. Sob investigação nos inquéritos está uma doação a Vado da Farmácia (PTB-PE), ex-prefeito de Cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco, para garantir a construção do Reserva do Paiva, projeto imobiliário de alto padrão. Ainda são alvo de apurações pedidos milionários que teriam sido feitos pelo senador José Serra (PSDB-SP) para a construção do Rodoanel, em São Paulo. Na capital paulista também está o complexo Parque da Cidade, para o qual políticos do PT, entre eles o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, teriam solicitado propina para garantir a participação da Previ, o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil. Um inquérito vai tratar da apuração de repasses que a construtora teria feito para ter vantagem nas concessões de aeroportos. Os valores teriam sido negociados com Eliseu Padilha, ministro da Casa Civil, e Moreira Franco, ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República. O acordo da Odebrecht com os políticos garantiria condições melhores para participar dos leilões de aeroportos – a empresa venceu a disputa pelo Galeão, no Rio. ‘Retorno’. Os valores e as condições de “retorno dos investimentos” para os recursos liberados aos políticos foram igualmente diversificados. Há casos em que os aportes teriam sido feitos para projetos que depois nem se concretizaram, mas que a empresa julgou valer a penas arriscar a aposta no político. Em outros exemplos apresentados, o grupo fez liberações milionárias. A obra campeã em pedidos de propina, por exemplo, segundo os inquéritos, é a obra da Usina de Santo Antônio, no Rio Madeira, em Rondônia. Trata-se de um dos maiores empreendimentos já feitos no País no setor de energia, que custou mais de R$ 16 bilhões. Foram citados seis pedidos, que somam R$ 82,5 milhões – 98% do total da Região Norte. Os executivos contaram ter pago valores menores, na casa de R$ 100 mil, como doação de campanha para deputados estaduais e prefeitos, que asseguraria a entrada no setor de saneamento em Estados como Santa Catarina, Rio Grande do Norte e Paraíba. Defesas. Sobre a divulgação do conteúdo dos inquéritos, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) disse considerar importante o fim do sigilo da delação da Odebrecht para “desmascarar mentiras”. O senador Edison Lobão (PMDB-MA) repudiou o vazamento de informações e José Serra (PSDB-SP) negou irregularidades em contratos de obras em São Paulo. Romero Jucá (PMDB-RR) afirmou que suas campanhas sempre obedeceram à legislação. O ministro Moreira Franco não comentou. O titular da Casa Civil, Eliseu Padilha, disse que só vai se manifestar nos autos. Aloysio Nunes também negou as acusações dos delatores. O ex-prefeito do Rio Eduardo Paes (PMDB) classificou de “absurda” a acusação de que recebeu dinheiro por obras da Olimpíada. Guido Mantega disse que “a Justiça tem de se apoiar em fatos, não em boatos”. Outros citados negam irregularidades.
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