Segundo IBGE, apenas 24,4% delas estão em creches, que no Brasil são fundamentais
Uma importante fase de aprendizado e desenvolvimento saudável está sob ameaça para 74,4% (7,7 milhões entre 10,3 milhões) das crianças brasileiras entre 1 e 4 anos que estão fora da creche, de acordo com a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) 2015, divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Isso, segundo Eduardo Marino, gerente de conhecimento aplicado da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, entidade que há 50 anos atua em projetos para o desenvolvimento integral da criança, é algo preocupante se considerarmos as características do Brasil, nas quais as mães, que são as que mais cuidam das crianças (83,8%), precisam trabalhar fora de casa o dia inteiro.
— Nesse período, questões de alimentação, oportunidade de interação, estímulo são essenciais para o desenvolvimento da criança. É aí que se está estruturando o que se chama de arquitetura do cérebro, portanto é muito impotante que ela tenha acesso a uma boa alimentação e a estímulos.
Segundo ele, a falta de creche é mais prejudicial às crianças de famílias mais pobres. Nestes casos, as mães necessitam deixar seus filhos em um ambiente adequado para o desenvolvimento deles.
— Sem uma creche de qualidade, quem mais perde é a criança de família mais pobre, já que a chance dela ter pais pouco letrados ou até analfabetos é maior, pois em um ambiente de baixa escolaridade ela pode ter mais dificuldades de se alfabetizar e de adquirir outras aprendizagens na escola, posteriormente. Além, disso as familias mais pobres podem ter dificuldades em relação à nutrição, o que pode afetar a saúde da criança.
Os números da pesquisa indicam que a maioria dessas crianças estão em famílias de baixa renda. Entre as famílias pesquisadas, das que tinham crianças nesta idade, 73,9% tinham renda de até um salário mínimo. O rendimento médio mensal domiciliar per capita das residências com crianças pequenas no Brasil era de R$ 715, o que significa 53% do valor das famílias sem crianças (R$ 1.348).
O levantamento também mostrou que 61,8% dos responsáveis demonstravam interesse em fazer a matrícula na creche, o que corresponde a 4,7 milhões de crianças. Para Marino, isso indica que as famílias ainda necessitam da creche como suporte.
— A questão da creche é algo relativo. No Brasil, principalmente pela situação da mãe, a creche se tornou opção importante para a criança. O número de crianças fora da creche no Brasil ainda é alto. A meta é que em 2024, 50% das crianças estejam nas creches. No mundo, não é muito mais do que isso. A Europa, por exemplo, tem 35% de crianças na creche, contra cerca de 24,6% do Brasil.
Visitação domiciliar
Nos Estados Unidos, como não há creche pública, diferentemente do que acontece no Brasil, a solução do Home daycare é muito utilizada. Nela, a criança tem um acompanhamento em casa, feito pelos próprios pais, que, com uma licença, podem cuidar inclusive de outras crianças. Neste sentido, a creche deixa de ser fundamental quando, como ocorre em países desenvolvidos, os pais ou cuidadores conseguem apresentar opções de desenvolvimento aos filhos.
Marino observa que, apesar de a creche ser algo de manutenção e investimentos caros, há como organizar melhor as filas que, segundo ele, só em São Paulo, são de 62 mil crianças. Uma das formas encontradas para diminuir gastos são os convênios entre os poderes público e privado. Por outro lado, para substituir essa carência de forma adequada, há opções similares à do Home daycare, como a adotada no Rio Grande do Sul, no programa "Primeira Infância Melhor".
Segundo Marino, o programa gaúcho foi implantado há 12 anos e oferece estrutura de visitação de auxiliares, com bom funcionamento e se tornando referência para o País. Neste caso não são os pais, mas profissionais que os auxiliam.
— Mesmo com a limitação de recursos, os pais têm alternativas para o desenvolvimento da criança. Programas assim são exemplos de que há solução. Um agente visita as casas das famílias, com uma frequência semanal ou quinzenal, organiza um currículo com os cuidadores da família, os ensinando a brincar, alimentar melhor, a estimular, a falar, a ler e levar os filhos para lugares onde haja acesso a ambiente mais letrado, como rodas de leitura em parques.